Um problema comum em medicina é a obtenção de dados, por exemplo, sobre o volume cardíaco ou a pressão arterial, em que a medição direta, sem efeitos adversos, é difícil ou impossível. Os verdadeiros valores permanecem desconhecidos. Em vez disso, métodos indiretos são usados, e um novo método deve ser avaliado por comparação com uma técnica estabelecida e não com a quantidade verdadeira. Se o novo método concordar suficientemente bem com o antigo, o antigo pode ser substituído. Isso é muito diferente da calibração, em que quantidades conhecidas são medidas por um novo método e o resultado é comparado com o valor real ou com medições feitas por um método altamente preciso. Quando dois métodos são comparados, nenhum dos dois fornece uma medição inequivocamente correta, então tentamos avaliar o grau de concordância. Mas como? (Bland e Altman, 1986)[1]

A partir de 1983, J.M. Bland e D.G. Altman publicaram alguns artigos em que criticavam o coeficiente de correlação, critério aplicado até então, para a avaliação do grau de concordância. No artigo de 1986, Bland e Altman apresentam uma série de problemas que a utilização da correlação acarreta neste tipo de análise, entre os quais os mais importantes são os seguintes:

  1. Quando se calcula, por exemplo, a correlação entre duas amostras em que os valores de uma são iguais ao dobro dos da outra, a correlação é igual a 1,0 (100%), mas as duas amostras não têm, obviamente, boa concordância.
  2. Amostras maiores tendem a apresentar correlações maiores. Segundo os autores, “como os pesquisadores geralmente tentam comparar dois métodos em toda a gama de valores normalmente encontrados, uma alta correlação é quase garantida”.

No lugar da correlação, os autores propõem um método, chamado atualmente de Bland-Altman, para a análise da convergência. O presente artigo se concentra em parte fundamental deste critério, a análise gráfica inicial, que consiste em plotar as observações simultâneas dos dois métodos que se quer estudar nos eixos x e y, juntamente com a curva em 45° na qual y=x. A figura abaixo, que compara dois métodos (large meter e mini meter) de medição do pico de fluxo expiratório (PEFR), obtida a partir dos dados apresentados no artigo de 1986 de Bland e Altman, mostra como esta análise gráfica inicial do método funciona.


A figura acima mostra que as medições pelos dois métodos são próximas, e ocupam as regiões acima e abaixo da curva a 45°, mostrando a boa concordância entre eles. O coeficiente de correlação entre as duas variáveis resultou em 0,943.

Uma pequena manipulação dos dados mostra um problema em se utilizar o coeficiente de correlação para a análise de concordância: para o presente artigo, multiplicaram-se os valores da amostra do eixo y (PEFR pelo método mini meter) por 0,8, e os resultados são apresentados na figura abaixo:

Nesta segunda figura fica clara distorção entre os métodos de medição do pico de fluxo expiratório analisados, com a grande maioria dos pontos ocupando a região inferior da curva a 45°, onde y=x. Por outro lado, o coeficiente de correlação entre estas novas variáveis é o mesmo das variáveis originais, mostrando que a utilização desta estatística pode causar erros de interpretação.

Um artigo de Hirata e Camey (2009)[2] apresenta outros exemplos interessantes de análise de concordância segundo Bland e Altman, e também a relação dos artigos originais destes dois autores.


 

[1] Bland JM, Altman D. Statistical methods for as-sessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986;327(8476):307-10.

[2] Hirata, V.N., Camey, S. Z. Análise de concordância entre métodos de Bland-Altman. Rev HCPA 2009;29(3):261-26. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/28980