Até 75% da deflorestação global ocorreu antes da Revolução Industrial. Uma sociedade caçadora de não mais de dois milhões de pessoas quase levou à extinção dos grandes mamíferos da América do Norte no pleistoceno tardio, época em que os seres humanos queimavam e destruíam florestas em todo o continente. Na verdade, ao contrário do que parece dizer o senso comum, as tecnologias usadas pelos nossos ancestrais para satisfazer suas necessidades alcançavam um padrão de vida muito inferior ao atual, com um impacto per capita muito maior sobre o meio ambiente. De modo que, a menos que haja uma mortalidade em massa, qualquer tentativa de reconciliar a humanidade com a natureza, recorrendo a tecnologias semelhantes às primitivas, resultaria em um desastre inapelável sob os pontos de vista ecológico e humano.

De fato, o uso da tecnologia tem minimizado os potenciais danos da atuação dos seres humanos sobre a natureza. O uso médio de terra per capita, por exemplo, atualmente é muito menor do que há cinco mil anos, embora as pessoas desfrutem de uma dieta muito mais rica. Graças aos avanços tecnológicos na agricultura, desde meados dos anos sessenta a quantidade de terra necessária por pessoa para produzir alimentos e ração animal foi reduzida à metade. A intensificação agrícola, combinada com o menor uso de lenha como combustível, permitiu o reflorestamento líquido em muitas partes do mundo. Quase 80% da Nova Inglaterra é agora coberta por florestas, em comparação com cerca de 50% no final do século XIX. Nos últimos vinte anos, a terra dedicada à produção de madeira em todo o mundo foi reduzida em 50 milhões de hectares, uma área do tamanho da França. A “transição florestal”, isto é, a etapa do desmatamento líquido ao reflorestamento, parece ser uma característica permanente do desenvolvimento, assim como a transição demográfica que reduz as taxas de fertilidade à medida que a pobreza diminui. A utilização do petróleo tornou praticamente desnecessária a caça às baleias, cujo óleo era utilizado extensivamente para calefação e iluminação.

As informações acima[1] foram obtidas no Manifesto Ecomodernista[2], escrito por “acadêmicos, cientistas, ativistas e cidadãos” (a lista completa dos autores pode ser obtida neste link) com a “convicção de que o conhecimento e a tecnologia, aplicados com sabedoria, podem levar a um bom, ou mesmo ótimo, Antropoceno[3]”.

A ideia principal por trás do ecomodernismo é fazer com que a tecnologia permita uma ocupação menor dos espaços pelos seres humanos, de modo a permitir uma maior liberação para terrenos naturais: assim, “a urbanização, a intensificação agrícola, a energia nuclear, a acuacultura e a dessalinização, são processos com potencial para reduzir a exploração da natureza, dando espaço a outras espécies. Em contraste, a suburbanização, a agricultura de recuperação e gestão de energia de geração renovável exige mais e mais recursos, deixando menos espaço à natureza”.  De fato, um arranha-céu com 400 apartamentos causa muito menos impacto a matas e nascentes do que 400 casas espalhadas por uma cidade[4]”.

O suprimento energético ocupa parte importante do Manifesto Ecomodernista. Segundo seus autores, “a disponibilidade de energia barata permite que os pobres do mundo deixem de usar florestas como combustível e cultivem mais alimentos em menos terra, usando instrumentos intensivos em energia, como fertilizantes e tratores”. O manifesto não nega o aquecimento global causado pelas emissões de CO2, e acrescenta que “a mitigação da mudança climática envolve significativamente um desafio tecnológico. Com isso, queremos dizer que mesmo uma limitação dramática do consumo global per capita seria insuficiente para alcançar o efeito. Sem mudanças tecnológicas profundas, não há maneira significativa de se salvar o meio ambiente.”

Na contramão de boa parte pensamento ambientalista, o Manifesto Ecomodernista defende que a maioria das formas de energia renovável é, infelizmente, incapaz de atingir tal objetivo: “a escala no uso da terra e outros impactos ambientais necessários para que os biocombustíveis ou outras fontes renováveis ​​movam o mundo são tais que duvidamos que eles sejam o caminho para um futuro com zero pegada de carbono”. No longo prazo, as fontes de energia que podem cumprir, de maneira plausível, o objetivo de fornecer a energia exigida por uma economia moderna mantendo o clima estável são a nuclear (fusão e fissão) e as próximas gerações de painéis solares – neste caso específico, se acrescenta que “as atuais tecnologias de energia solar exigirão inovações substanciais para alcançar o padrão desejado”.

Porém, ainda segundo o Manifesto Ecomodernista, estas mudanças tecnológicas ainda levarão um tempo considerável: enquanto isso, “outras tecnologias de energia podem fornecer importantes benefícios sociais e ambientais. As usinas hidrelétricas, por exemplo, são uma fonte barata de energia com baixa pegada de carbono para as nações pobres, por mais que seus impactos ambientais sejam consideráveis. Os combustíveis fósseis com captura e armazenamento de carbono também podem trazer benefícios ambientais substanciais em comparação com seu uso atual e os da biomassa.”


 

[1] Com exceção do trecho sobre as baleias, obtido no artigo “Como o petróleo salvou as baleias (e milhões de hectares de florestas)” de Leandro Narloch < https://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/como-o-petroleo-salvou-as-baleias-e-milhoes-de-hectares-de-florestas/ >

[2] < http://www.ecomodernism.org/ >

[3] Conceito de intensa discussão em meios científicos. Para os cientistas que defendem a oficialização da transição para o Antropoceno, a influência humana sobre o planeta teria impactado permanentemente a Terra, a ponto de justificar a adoção de uma nova época geológica que caracterize assim sua atividade. Obtido em < https://www.ecycle.com.br/5719-antropoceno >

[4]  < https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandro-narloch/2018/07/reacionarios-verdes-precisam-fazer-as-pazes-com-a-modernidade.shtml >