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Monthly Archives: setembro 2018

A relação entre garantia física e energia firme de uma usina hidrelétrica no Sistema Interligado Nacional

Em artigo anterior, apresentei o conceito brasileiro de energia firme para usinas hidrelétricas, que é a média de geração entre junho de 1949 e novembro de 1956, obtida por simulação com o modelo Suishi, do Cepel. O presente artigo apresenta a relação entre a energia firme e a garantia física de uma usina hidrelétrica, que é a quantidade limite de energia que os geradores podem vender em contratos. Os conceitos apresentados aqui são chancelados pela Portaria MME 101/2016.

O conceito de garantia física está intimamente conectado ao SIN (Sistema Interligado Nacional). Segundo o site do ONS (Operador Nacional do Sistema), o SIN é o sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil – um sistema hidro-termo-eólico de grande porte, com predominância de usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários, e constituído por quatro subsistemas: Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e a maior parte da região Norte.

O modelo computacional oficial de simulação de todos os elementos que compõem o sistema interligado – hidráulicas, térmicas, fontes alternativas, transmissão, demanda, custo de energia – é o Newave, do Cepel. A figura abaixo, obtida do site do Cepel, apresenta um esquema simplificado da operação do modelo:

O Newave não permite simulação individualizada das hidrelétricas: conforme apresentado na figura acima, todas as UHEs de cada submercado (Sul, Sudeste, etc.) são vistas pelo Newave como apenas uma usina com um reservatório, com características equivalentes ao somatório das usinas originais – os chamados “usinas e reservatórios equivalentes”.

A partir disso, um dos resultados do modelo Newave é o bloco hidráulico (EH), que é a garantia física de todas as UHEs (usinas hidrelétricas) do sistema – não entram na conta as PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), hidráulicas com até 30 MW de potência instalada. O valor do EH atende a certos critérios de suprimento, detalhados atualmente na Portaria MME 18/2018 e objeto de artigo futuro.

A divisão de EH entre as usinas individualizadas é feita proporcionalmente às energias firmes EFh de cada usina h, para um conjunto de nh usinas hidrelétricas. Deste modo, a GFlocal[1] de cada UHE é dada por:

A partir disto, a garantia física de cada UHE é obtida por duas simulações (ambas com a mesma base de dados, é importante acrescentar):

·       A primeira com o Newave, para obtenção de EH, o bloco hidráulico

·       A segunda com o Suishi, para obtenção das energias firmes de cada UHE

Finalmente, a aplicação da equação acima possibilita o cálculo da garantia física individualizada para cada usina hidrelétrica.

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[1] Artigo posterior vai apresentar a diferença entre a garantia física local e a total de uma UHE

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Correlação e concordância na estatística médica

Um problema comum em medicina é a obtenção de dados, por exemplo, sobre o volume cardíaco ou a pressão arterial, em que a medição direta, sem efeitos adversos, é difícil ou impossível. Os verdadeiros valores permanecem desconhecidos. Em vez disso, métodos indiretos são usados, e um novo método deve ser avaliado por comparação com uma técnica estabelecida e não com a quantidade verdadeira. Se o novo método concordar suficientemente bem com o antigo, o antigo pode ser substituído. Isso é muito diferente da calibração, em que quantidades conhecidas são medidas por um novo método e o resultado é comparado com o valor real ou com medições feitas por um método altamente preciso. Quando dois métodos são comparados, nenhum dos dois fornece uma medição inequivocamente correta, então tentamos avaliar o grau de concordância. Mas como? (Bland e Altman, 1986)[1]

A partir de 1983, J.M. Bland e D.G. Altman publicaram alguns artigos em que criticavam o coeficiente de correlação, critério aplicado até então, para a avaliação do grau de concordância. No artigo de 1986, Bland e Altman apresentam uma série de problemas que a utilização da correlação acarreta neste tipo de análise, entre os quais os mais importantes são os seguintes:

  1. Quando se calcula, por exemplo, a correlação entre duas amostras em que os valores de uma são iguais ao dobro dos da outra, a correlação é igual a 1,0 (100%), mas as duas amostras não têm, obviamente, boa concordância.
  2. Amostras maiores tendem a apresentar correlações maiores. Segundo os autores, “como os pesquisadores geralmente tentam comparar dois métodos em toda a gama de valores normalmente encontrados, uma alta correlação é quase garantida”.

No lugar da correlação, os autores propõem um método, chamado atualmente de Bland-Altman, para a análise da convergência. O presente artigo se concentra em parte fundamental deste critério, a análise gráfica inicial, que consiste em plotar as observações simultâneas dos dois métodos que se quer estudar nos eixos x e y, juntamente com a curva em 45° na qual y=x. A figura abaixo, que compara dois métodos (large meter e mini meter) de medição do pico de fluxo expiratório (PEFR), obtida a partir dos dados apresentados no artigo de 1986 de Bland e Altman, mostra como esta análise gráfica inicial do método funciona.


A figura acima mostra que as medições pelos dois métodos são próximas, e ocupam as regiões acima e abaixo da curva a 45°, mostrando a boa concordância entre eles. O coeficiente de correlação entre as duas variáveis resultou em 0,943.

Uma pequena manipulação dos dados mostra um problema em se utilizar o coeficiente de correlação para a análise de concordância: para o presente artigo, multiplicaram-se os valores da amostra do eixo y (PEFR pelo método mini meter) por 0,8, e os resultados são apresentados na figura abaixo:

Nesta segunda figura fica clara distorção entre os métodos de medição do pico de fluxo expiratório analisados, com a grande maioria dos pontos ocupando a região inferior da curva a 45°, onde y=x. Por outro lado, o coeficiente de correlação entre estas novas variáveis é o mesmo das variáveis originais, mostrando que a utilização desta estatística pode causar erros de interpretação.

Um artigo de Hirata e Camey (2009)[2] apresenta outros exemplos interessantes de análise de concordância segundo Bland e Altman, e também a relação dos artigos originais destes dois autores.


 

[1] Bland JM, Altman D. Statistical methods for as-sessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986;327(8476):307-10.

[2] Hirata, V.N., Camey, S. Z. Análise de concordância entre métodos de Bland-Altman. Rev HCPA 2009;29(3):261-26. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/28980

 

 

 

 

 

 

 

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Energia firme: critérios peruano e brasileiro

Para uma hidrelétrica, usina cuja geração depende das vazões afluentes, o período de seca é o que oferece maiores riscos ao suprimento de energia e, consequentemente, a seus respectivos contratos de venda. Tendo isto em vista, os países estabelecem diferentes critérios para o cálculo de energias passíveis de serem contratadas neste tipo de usina.

Tanto no caso específico de Brasil como no caso do Peru, “energia firme” é um termo utilizado no cálculo desta energia passível de ser contratada – mas tanto o critério de cálculo como sua finalidade são significativamente diferentes nos dois casos.

No Brasil, a energia firme é definida pela Portaria MME 101/2016 como sendo aquela correspondente à geração média nos meses do período crítico do Sistema Interligado Nacional, obtida por simulação com o modelo Suishi, do Cepel. O período crítico, definido pela Portaria MME 18/2018, corresponde aos meses que vão de jun/1949 a nov/1956.

No Peru, a energia firme é calculada conforme os critérios apresentados no procedimento PR-13 do COES (Comité de Operación Económica del SEIN). Neste caso, a simulação energética é feita para os doze meses de um ano muito seco, com vazões correspondentes à permanência mensal de 95% (fixada pelo “Reglamento de la Ley de Concesiones Eléctricas, conforme o anexo da Ley 28832).

Além da diferença de critérios de cálculo, a forma de utilização e objetivos das duas energias firmes dos dois países são também significativamente diferentes, e serão objeto de artigos futuros.

De todo modo, fica a ideia de que quando se fala em “energia firme”, um especialista estudando uma hidrelétrica no Brasil ou no Peru falará de grandezas muito distintas – por mais que, nos dois casos, o conceito de “energia de período seco” esteja presente.

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